No passado, Telegram, WhatsApp e outras plataformas sociais ficaram perto de serem bloqueadas em nosso País
A possibilidade de o X sair do ar no Brasil, por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, após não ter apresentado um representante legal no País até às 20h07 (horário de Brasília) desta quinta-feira (29), é mais um episódio envolvendo redes sociais e a Justiça Brasileira.
No passado, Telegram, o próprio X, WhatsApp e outras plataformas sociais ficaram perto de serem bloqueadas em nosso País, inviabilizando seu acesso e consequente uso.
Sendo assim, surge a dúvida? Como funciona o processo de bloqueio de uma rede social no Brasil? A seguir, entenda como isso acontece, tanto no âmbito jurídico, quanto no prático.
Parte jurídica: como funciona?
Ao Olhar Digital, Marcelo Cárgano, advogado e coordenador do Japan Desk no escritório Abe Advogados, explica que, no âmbito jurídico, o bloqueio de uma rede social passa pelo Marco Civil da Internet, instituído em 2014.
Quando uma determinação de suspensão de um site é determinado pela Justiça, as operadoras de telefonia são obrigadas a realizar o bloqueio (leia sobre a parte prática mais abaixo).
Caso não cumpram com a medida, elas estão sujeitas às punições previstas no Artigo 12 do Marco Civil:
- Advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
- Multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;
- Suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou
- Proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.
O advogado também ressalta que as operadoras que se negarem a cumprir a determinação e os sites que forem bloqueados podem tentar reverter a decisão na Justiça, mas que, no caso do X, a situação é mais complexa.
Existe uma maneira de as operadoras reverterem a ordem de bloqueio judicialmente, como já aconteceu no passado. Isso acontece nos autos. Tem uma dificuldade [no caso do X, pois], no momento, a rede social em questão não tem representante legal no Brasil.
Se não tem representante legal, não tem nem como você ir aos autos pleitear essa defesa. Mas, tudo dentro do devido processo legal, a rede vai ter direito à ampla defesa e vai poder apresentar suas razões e contestar judicialmente esse bloqueio.
Marcelo Cárgano, advogado e coordenador do Japan Desk no escritório Abe Advogados, em entrevista ao Olhar Digital
Bloqueio de uma rede social também passa pela Anatel
- Uma vez que o STF determina a suspensão, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) recebe ordem judicial eletrônica, que precisa ser repassada às operadoras de telefonia;
- À BBC, Bruna Santos, da Digital Action, organização global que busca melhores padrões digitais de governos e big techs, diz que a Anatel não só realiza a comunicação, como, também, acompanha e testa “se a medida foi tomada nos tempos descritos pela ordem judicial e pela decisão do juiz”;
- Ainda, ela explica que a determinação da Justiça pode, ou não, especificar por quais métodos as operadoras irão utilizar para cumprir a ordem;
- Contudo, geralmente, isso se dá pelo bloqueio de um ou mais endereços de IP.
Wharrysson Lacerda, publisher do Olhar Digital, reforça que as operadoras têm uma espécie de “linha direta” com a Anatel, permitindo um contato mais rápido nesse tipo de situação, mas reforça que a operação pode ser um tanto complexa, dada as muitas operadoras de internet fixa que existem Brasil afora.
Você precisa ter contato direto com a Anatel. Então, a Anatel vai, a partir dessa ordem recebida [do STF], repassá-la para as operadoras. A diretoria de fiscalização faz o acompanhamento do cumprimento dessa ordem, mas efetivamente, quem faz esse bloqueio são as operadoras, sejam as operadoras de telefonia móvel, no caso de dados celulares, sejam as operadoras de internet fixa, que existem muitas no Brasil.
No caso do X, esse bloqueio e de qualquer outra rede, na verdade, não é uma operação tão simples, é relativamente complexa, porque envolve centenas de operadoras que estão espalhadas pelo Brasil, mas é algo que acontece com certa rapidez.
Wharrysson Lacerda, publisher do Olhar Digital
IP? O que é isso?
Um endereço IP é usado para realizar a comunicação entre todos os dispositivos conectados à internet e a rede. É como se fosse o chassi ou a placa de um carro, ou seja, é um código atribuído a cada computador, tablet, smartphone, etc., para que eles sejam encontrados e se encontrem na web.
Para que o usuário não precise digitar esse código para encontrar um site, usa-se o domínio, como x.com ou olhardigital.com.br (bem mais fácil!). A conversão de IP para domínio é feito pelo DNS (Sistema de Nomes de Domínio, em tradução livre).
E para que o bloqueio do X aconteça, os provedores não atenderão às requisições dos dispositivos para acessar o IP do X, impedindo que os usuários o acessem, explica Rodolfo Avelino, professor de Engenharia de Computação e Ciências da Computação no Insper e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil.
VPN consegue quebrar o bloqueio?
Sim. Caso o X seja mesmo bloqueado no Brasil, quem usar uma VPN consegue acessar a rede social normalmente, segundo os especialistas.
Isso porque a VPN (rede privada virtual, em português) cria uma conexão segura, encriptada, entre o dispositivo do usuário e o servidor.
Ela consegue blindar os dados da pessoa e “mascara” o IP original, camuflando a atividade online do usuário. Para isso, ela cria uma conexão com um servidor de outro país, enganando a rede, que passa a entender que o usuário está no país do servidor ao qual está conectado.
Dessa forma, ela pode ser usada para fins de segurança (impedindo o acesso não autorizado de hackers, por exemplo), para acessar conteúdos de outra localidade (para assistir ao Peacock, streaming dos EUA, por exemplo) e, infelizmente, para atividades criminosas.
Lacerda também explica como a VPN opera e tranquiliza os usuários da rede social:
Por meio dessas VPNs, você vai conseguir continuar acessando o X ou qualquer outra plataforma ou conteúdo que, eventualmente, esteja bloqueado ou suspenso aqui no Brasil.
É mais ou menos como se você estivesse navegando a partir, por exemplo, dos Estados Unidos ou da Europa, e, a partir dali, você conseguiria acessar os servidores do X caso ele venha mesmo a ser suspenso, como tudo indica que deve ser.
Então, não vai ser impossível acessar o X quem quiser continuar a acessar a rede social e, também, não há nenhum risco, pelo menos, no momento, de que, se você tiver informações, posts que você fez no X, que eles venham a ser perdidos.
Wharrysson Lacerda, publisher do Olhar Digital
Já houve decisões judiciais que impediram o uso de VPNs, como em maio de 2023, quando Moraes publicou despacho contra o Telegram, ameaçando bloquear o mensageiro por manifestações contra o PL das Fake News.
No fim, o bloqueio não aconteceu, mas, no documento, o magistrado disse que “pessoas naturais e jurídicas” que usassem “subterfúgios tecnológicos” para usar o Telegram em caso de suspensão, teriam que pagar multa de R$ 100 mil. Não houve citação direta à VPN, mas ficou subentendido.
Avelino aponta que, apesar de uma proibição ao uso de VPNs, isso pode ser difícil de se conseguir, haja vista a vasta quantidade de provedores e tipos de tecnologias existentes.
Seria possível talvez bloquear as VPNs mais utilizadas ou as mais conhecidas. Mas não é possível garantir, por ordem judicial, um bloqueio total de todos os serviços e tecnologias.
Rodolfo Avelino, professor de Engenharia de Computação e Ciências da Computação no Insper e membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil, em entrevista à BBC
Ainda segundo o professor, devemos ter em mente que há outros métodos para furar um bloqueio online, como o uso de um servidor DNS estrangeiro, o que é ainda mais difícil de barrar, se comparado às VPNs.
Exemplos passados
Como dissemos no primeiro parágrafo, casos similares já aconteceram no Brasil. Em 2023, a bola da vez foi o Telegram. À época, a Justiça determinou sua suspensão após cumprimento parcial de pedido da Polícia Federal (PF) para entrega de dados sobre grupos neonazistas que frequentavam o mensageiro.
Vivo, Claro, TIM e Oi foram notificadas acerca da decisão, assim como Google e Apple. No caso, para que o app fosse removido das lojas de aplicativos de Android e iOS, a Play Store e a App Store, respectivamente. Em 2015 e 2016, o alvo da vez foi o WhatsApp.
Santos, que também é especialista em temas relativos a acesso à Informação e governança da internet, diz que, em todas essas decisões, o processo foi o mesmo: despacho judicial, Anatel, comunicação às operadoras e bloqueio.
Ela também aponta que, além de bloquear o endereço IP, as operadoras podem reconfigurar a rota de tráfego do site se o Supremo realmente determinar o bloqueio da rede social.
Quando um site utiliza múltiplos endereços de IP, é preciso reconfigurar as rotas de tráfego de conteúdo para que esse conteúdo não seja repassado a depender da região ou do IP que não foi bloqueado.
Bruna Santos, especialista em temas relativos a acesso à Informação e governança da internet, em entrevista à BBC
A especialista prossegue: “Não me surpreenderia se fosse feita também a notificação para Apple e Google impedirem que o aplicativo [do X] pudesse continuar a ser baixado, como aconteceu no caso do Telegram em 2023.”
(DA REDAÇÃO \\ Guto Gutemberg)
(INF.\FONTE: Internet \\ Olhar Digital)
(FT.\CRÉD.: Internet \\ Divulgação)